Artigo

Terra de ninguém

O processo descontrolado de expansão das cidades brasileiras pode ser visto como um dos principais responsáveis pela acelerada degradação dos nossos ambientes urbanos e naturais. Diante desse quadro, não há como permanecer assistindo passivamente uma vertente do mercado imobiliário — formal e informal — se instalar nas frágeis encostas de morros e margens de rios desprovidas de infraestrutura.

Essa forma predatória de ocupação do solo exige dos governantes, dos políticos e das pessoas interessadas na construção de cidades mais humanas e sustentáveis uma reflexão desprovida de posicionamentos ideológicos desgastados.

Há que se buscar a superação do abismo que existe entre promessa e ação através de uma perspectiva abrangente e capaz de reverter, na origem, esse quadro desolador.

Caso o Rio consiga cumprir essa tarefa, em curto prazo, poderá se tornar um exemplo a ser seguido por outras cidades.

Infelizmente, a falta de uma conduta social em defesa dos interesses da cidade vem perpetuando um círculo vicioso que estimula e alimenta a degradação urbana. É assustador observar, inclusive pelo Brasil afora, o hábito de a população fazer vista grossa diante de atitudes que comprometem o espaço urbano e a qualidade de vida.

Até parece que ainda vivemos os hábitos e a cultura dos tempos coloniais. Naquele tempo remoto o desprezo pela coisa pública se justificava na medida em que a população era excluída das decisões sobre a cidade. O povo pensava que a cidade não lhe pertencia.

Esse antagonismo entre o colonizador e o colonizado se instalou no inconsciente coletivo e permanece até os dias de hoje. Só que, atualmente, tal comportamento se transferiu para as relações entre o governo e a sociedade.

A vacilante democracia no planejamento e gestão da cidade constitui um elemento a mais para estimular a prática de comportamentos predatórios. Qualquer indivíduo, com o mínimo bom senso, poderá perceber o quanto essa cultura discricionária compromete a vida urbana.

A expressão “liberou geral” traduz, com bastante clareza, a maneira como as cidades brasileiras vêm sendo tratadas. Os comportamentos antissociais variam apenas na forma como são praticados e independem do status econômico e social de quem os pratica. Em ambos os casos, a cidade é usada como se fosse terra de ninguém.

Diante dessa constatação, não há como ficar de braços cruzados esperando que o poder público faça por nós aquilo que também nos compete fazer.

Difundir um comportamento solidário em defesa da cidade e da cidadania é obrigação de qualquer pessoa civilizada.

Felizmente, a imprensa vem dedicando um espaço relevante para a divulgação desses princípios e da necessidade de enfrentar com firmeza os descalabros que ocorrem no nosso dia a dia.

Mas, se essas denúncias não alcançarem a repercussão desejada, não há dúvida de que, a exemplo de tentativas anteriores, não passará de mais uma página virada no noticiário cotidiano.

Resta, portanto, a esperança de que a sociedade assuma, o quanto antes, um comportamento uníssono e solidário em prol da valorização da urbanidade e do combate à selvageria praticada pelos costumeiros predadores urbanos.

Luiz Fernando Janot 

Arquiteto e urbanista

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