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Valeska Peres Pinto compara mobilidade à circulação sanguínea. “Ela traz vida”, diz

No último dia 19 de agosto, os estudantes, professores e profissionais da Arquitetura e Urbanismo de Goiás tiveram a oportunidade de assistir à Aula Magna com uma expert brasileira em mobilidade urbana. Em Anápolis, na UEG, e em Goiânia, na PUC Goiás, a arquiteta Valeska Peres Pinto transitou entre diversas áreas do conhecimento para tratar do tema, tão crucial quanto problemático para a vida nas cidades.

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Valeska Peres Pinto graduou-se em Mogi das Cruzes, especializou-se na França e fez sua trajetória profissional na Companhia do Metropolitano de São Paulo e na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, como analista de transporte. Foi presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), de 1989 a 1995, e desde 2003 atua na Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Além disso, coordena o programa Melhores Práticas de Mobilidade da União Internacional de Transporte Público (UITP) – Divisão América Latina.

Antes da Aula Magna, ela deu a seguinte entrevista para o site do CAU/GO:

No Congresso da UITP deste ano, você destacou que a mobilidade induz à recuperação urbana. Como os espaços de uma cidade podem de fato se tornar melhores, a partir dos projetos de mobilidade?

A mobilidade urbana, que é o conjunto dos fluxos das pessoas, induz à recuperação urbana numa comparação muito simples. As pessoas podem caminhar, podem usar meios não motorizados. Para grandes distâncias podem usar trens, metrôs, ônibus. Se entendermos que a mobilidade é esse conjunto de fluxos, podemos compará-la à rede sanguínea, por exemplo. O sangue leva oxigênio às células e retira gás carbônico. Ou seja, ela dá vida à região. Uma região que não se conecta às demais, que no seu interior não permite que as pessoas se locomovam, tende a ser deteriorada. Se as pessoas não saem, pode virar um gueto ou uma prisão. Se elas não chegam, a região não ganha o afluxo de novas atividades. Por isso uma política de mobilidade faz com que todo o conjunto de edificações de uma cidade, incluindo praças e áreas sociais e culturais, seja usufruído.

Em Goiânia, estamos desde 2017 discutindo a revisão do Plano Diretor, que agora está para análise dos vereadores na Câmara. Um dos temas mais sensíveis do texto é a densidade urbana. Em que medida o adensamento adequado contribui para a qualidade da mobilidade?

As cidades muito espalhadas são aquelas onde o número de habitantes por hectare é muito baixo. Ou seja, são cidades com baixa densidade populacional. Elas são muito caras porque toda a infraestrutura tem que ir para lá para pegar pouca gente. Então tem que construir muitas ruas, alargar todas as estruturas de água, esgoto, iluminação. Ou seja, no modo como nós fazemos as cidades, as cidades de baixa densidade são muito caras e ficam quase inviáveis para sustentar sistemas de mobilidade construídos com base na utilização do transporte coletivo. Nós estamos vendo no mundo inteiro a busca por concentrar mais as cidades e buscar um bom equilíbrio entre o número de pessoas e a proximidade delas. Basta comparar ao que está acontecendo neste momento com os Estados Unidos, que tentam reverter o espalhamento das grandes cidades, onde a área destinada só ao transporte individual ocupa quase a metade da área construída. Isso é um grande desperdício porque em 90% do tempo as ruas ficam vazias.

Até hoje não temos em Goiânia um Plano de Mobilidade. Qual é a importância do plano e qual é o estágio desse planejamento nos grandes municípios brasileiros?

O Plano de Mobilidade é um elemento adicional ao Plano Diretor, principalmente se forem entendido como um instrumento de política urbana e não um conjunto de regras com boas intenções. Eu diria que as principais questões levantadas pelo Plano de Mobilidade são: Quanto custa eu ter este modelo? Quanto custa para cada pagador de impostos pagar uma cidade que é usada por muito poucos? A cidade está preparada para priorizar as pessoas e reduzir os acidentes? Lembrando que a mobilidade está ligada ao modo de vida das pessoas e à maneira como a cidade é organizada e ocupada. Nesse sentido a mobilidade dialoga com o Plano Diretor.

Pode nos dizer sua opinião sobre os novos modais compartilhados, como bicicleta e patinete? Eles proporcionam algum benefício para a mobilidade urbana?

Isso agora está na moda. A bicicleta é um meio de transporte antigo, que passou por uma crise e volta agora com força. É uma tendência sem retorno, acredito que no mundo inteiro. Os patinetes ainda estamos a assistir o quanto eles vão durar, e as exigências que recairão sobre eles. O mais importante dos modais compartilhados ou do transporte sob encomenda, inclusive a experiência de Goiânia com os ônibus que funcionam através de um aplicativo, é que demonstram que a mobilidade não é patrimônio de uma única solução. Ninguém tem uma solução única para a mobilidade. Ela é algo que tem a ver com a jornada das pessoas, que começa em casa e é feita de muitos trechos e muitos recursos. O conjunto de soluções ganha protagonismo na medida em que se soma a um bom sistema de transporte coletivo. A mobilidade no mundo caminha para valorizar sistemas integrados, onde haja um sistema que privilegie as soluções coletivas e que sejam integrados a uma rede que pode incluir os próprios automóveis – fazendo trajetos curtos, em áreas menos congestionadas. Eu diria que um bom equilíbrio do uso do transporte coletivo em áreas mais adensadas, e o uso do automóvel em áreas menos densas, já predomina no transporte nos países europeus. E é isso que os Estados Unidos estão fazendo, com grandes investimentos, para reverter sua matriz de viagem.

Faltam no mercado arquitetos e urbanistas que sejam especialistas em mobilidade?

Já temos muitos arquitetos fazendo projetos de terminais, estações, paradas de ônibus. Temos arquitetos também trabalhando em aplicativos destinados a conhecer melhor a cidade e sobre como se locomover. O espaço da mobilidade é um espaço público. Então ruas, calçadas, bulevares, praças, tudo isso é tema e objeto de atenção dos arquitetos. Porque se o espaço público não for valorizado, as pessoas vão fugir dele. Outra área em que devemos contar muito com a participação de arquitetos e urbanistas é na construção de edificações ou conjuntos residenciais, que devem ter alguma conexão com a cidade. Ou seja, a construção de conjuntos residenciais ou a recuperação de bairros deve considerar que o edificado se conecta com o espaço urbano. As infraestruturas de mobilidade – que são ruas, passeios, calçadas, estacionamentos etc – não são apenas para decorar ou preencher espaço no mapa. São partes que devem viabilizar as funções e atividades que são realizadas dentro das edificações. Também vejo um grande trabalho para os arquitetos na concepção dos novos terminais multimodais que conectam muitos serviços. Eles deixaram há muito tempo de ser garagem. São hoje polos com comércio, serviços, áreas de lazer e recreação, serviços públicos de atendimento à população. Já há exemplos no Brasil de terminais de ônibus que foram os primeiros a instalar salas de cinemas para os bairros. Na própria indústria de veículos, há muitos arquitetos que foram para atividades de design – de equipamentos, de veículos, de interiores de veículos. Tudo isso, em alguns países, são atividades de arquitetos. Como não temos uma regulamentação muito clara que separa a Arquitetura do Desenho Industrial no Brasil, muitos arquitetos estão nessa área. Então eu diria que não há nenhum obstáculo para aqueles arquitetos que quiserem se debruçar sobre atividade de mobilidade urbana. Terão muita coisa para fazer.

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