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Setor Sul, paisagem é patrimônio, artigo da conselheira Márcia Guerrante

“O Dia Nacional do Patrimônio Histórico, celebrado hoje, traz à tona reflexões importantes sobre a cidade que habitamos. Em um contexto urbano em constante transformação, o que é importante permanecer? O que nesta cidade conta de onde viemos e nos referencia enquanto um povo que caminha no tempo sobre este espaço?

Somos uma cidade relativamente jovem e uma ideia equivocada de preservação do patrimônio, popularmente relacionada a monumentos e edifícios, tem ignorado o valor da paisagem.

Em Goiânia temos uma joia do urbanismo do início do século passado. O setor Sul teve seu primeiro traçado proposto por Attílio Corrêa Lima. Posteriormente, o projeto foi alterado por Armando de Godoy, que propôs a criação de um bairro-jardim.

Esse conceito, que traz por princípio a preocupação com o bem-estar dos habitantes, considera fundamental a integração entre o homem e a natureza. No traçado peculiar do bairro, isso foi traduzido em unidades de vizinhança interligadas por jardins e praças que caracterizam sua paisagem.

A importância do setor Sul não se restringe a sua relevância na história de Goiânia. O bairro é um parque com muitas árvores e pássaros, tem um ecossistema que contribui para amenizar o clima e que caracteriza uma grande área de infiltração de águas que beneficia toda a cidade.

Mas as tentativas de venda e apropriação de áreas públicas e fechamento de vielas estão sempre presentes em sua história, assim como as mobilizações em busca de sua proteção. Há registros de inúmeras manifestações direcionadas às causas do bairro, quase dez pedidos engavetados de tombamento e, recentemente, um abaixo-assinado virtual conta com mais de mil assinaturas pedindo por sua preservação.

Neste momento em que o Plano Diretor se encontra em tramitação na Câmara, a paisagem e a integridade do setor Sul estão ameaçadas. A proposta de um adensamento populacional maior em seus eixos de transporte, assim como a permissão do remembramento (junção de lotes) que dão frente para estes eixos, com aqueles que dão acesso às praças, aumentam o potencial construtivo e o adensamento da região.

O que deveria ser valorizado como uma grande parque central, que atenderia a toda a cidade, com ciclovias, pistas de caminhada, lazer e segurança para todos, corre o risco de se transformar em mais um amontoado de prédios e ruas lotadas de carros.

O setor Sul vem sofrendo com as transformações da cidade e com o descaso do poder público. No entanto, impulsionados pela iminente aprovação do Plano Diretor, a mobilização dos moradores tem fortalecido o significado do bairro, revelando o quanto ainda existem ali relações de vizinhança significativas e reveladoras de um modo de vida que tem desaparecido nas grandes cidades. A luta pela preservação do bairro é um exemplo gratificante de cidadania e luta pelo bem comum. Viva o setor Sul!”

*Márcia Guerrante, arquiteta e conselheira federal suplente do CAU/BR

Publicado originalmente no jornal O Popular, no dia 17/08/2020.

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