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Habitação social: iniciativa mantém 10 postos de assistência técnica no DF

“A Arquitetura precisa chegar na periferia, na Brasília de verdade”, defende Gilson Paranhos, presidente da Codhab-DF. Desde abril de 2015, a empresa pública mantém arquitetos e urbanistas nas regiões mais pobres de Brasília. Dez escritórios de assistência técnica públicos atendem gratuitamente à população: quatro pelo “Projeto na Medida”, que serve às famílias de forma individualizada, levando em conta a realidade e a necessidade de cada uma; e seis focados exclusivamente na reurbanização e revitalização de espaços públicos. Os postos contam ainda com engenheiros e assistentes sociais para atender em conjunto aos moradores. Segundo a Companhia, 132 reformas já foram entregues, 32 estão em andamento e 47 devem ser iniciadas nas próximas semanas.

 

 

“Trabalhar aqui é muito bom porque primeiramente você vê a realidade das pessoas, o que elas passam, as tristezas e as alegrias delas. E poder colaborar um pouco é muito gratificante”, conta Gustavo Guedes, arquiteto e urbanista responsável pelo escritório do Sol Nascente – Trecho 2, na região de Ceilândia, em Brasília. Segunda maior favela do Brasil, a área fica a 35 quilômetros da Esplanada dos Ministérios, centro político do país. A região tem cerca de 940 hectares e problemas de saneamento básico, acúmulo de lixo, falta de asfalto, ausência de serviços públicos, barracos em condições precárias e altos índices de criminalidade.

 


É em locais como o Sol Nascente que estão instalados os escritórios de assistência técnica da Codhab-DF. O funcionamento deles se inspira no das unidades de saúde e outros serviços fundamentais para a população. Os quatro postos participantes do “Projeto na Medida” oferecem melhorias habitacionais para solucionar problemas de salubridade e segurança no interior das casas, na maioria das vezes em cozinhas e banheiros. Gilson Paranhos explica que é muito comum, por conta da autoconstrução, as moradias terem pouca luz natural e ventilação. “Com o projeto adequado, conseguimos dar de forma simples mais qualidade de vida a esses moradores”.

 

 

“Projeto na medida”
Para receber assistência técnica, o morador se inscreve e acompanha todo o procedimento no próprio posto. “Ele pode ir até lá e fazer na hora a inscrição. Depois, fazemos a análise social, para ver se a família se enquadra nos critérios da Lei de Assistência Técnica, a 11.888. É necessário que tenham renda conjunta de até 3 salários mínimos [R$ 2862] e morem na região. Se a família for selecionada, enviamos um arquiteto e um engenheiro até a casa. Esses profissionais conferem se há situações de insalubridade ou insegurança que habilitam para a participação no programa. Em caso positivo, já passam à medição para a elaboração do projeto”, explica Sandra Marinho, gerente de Projetos e Obras da Codhab-DF.

 

 

Além do projeto e do acompanhamento da obra, o posto de assistência técnica contrata a mão de obra e compra o material de construção, com um teto de R$ 13.500 por família. “Problemas como iluminação, ventilação e circulação, típicos da autoconstrução em nosso país, podem ser sanados com um custo pequeno e com o profissional especializado. A melhoria na qualidade de vida dessas famílias é enorme”, afirma Gilson Paranhos.

 

 

A dona de casa Luiza Rosa foi uma das chefes de família que recebeu assistência técnica. “Minha casa antes era só um vagão. Só tinha uma sala, toda reta, sem nada dentro. Não tinha pintura, não tinha nada. Era só mesmo no tijolo. Aí agora tá a coisa mais linda. Eu tô realizada na minha casa. Foi do jeito que eu imaginava e tá saindo do jeito que eu queria”, comemora.

 

Habitação no contexto urbanístico

 

 

A reforma das moradias é só uma parte do trabalho – mesmo dos quatro escritórios que oferecem assistência individual. “Todos os postos desenvolvem projetos de melhorias das ruas, parques e áreas públicas das comunidades onde estão instalados. Seis deles são dedicados exclusivamente a isso. Lá eles são ainda responsáveis por mediar conflitos em áreas em regularização”, explica Sandra Marinho, gerente de Projetos e Obras da Codhab-DF.

O impacto na vida dos habitantes do local é direto. “Lindo, né? Asfalto, ônibus na nossa porta. Nossa cidade toda pintada. Olha, sem palavras. Nossa cidade tá top, tá bacana”, comemora a moradora Valmiza Rodrigues, do Sol Nascente, em Ceilândia.

 

 

Cada escritório tem autonomia para propor medidas prioritárias a serem tomadas. “Aqui, devido à ocupação desordenada, tem muito problema de esgoto, de infraestrutura, que não ainda não foi resolvido. Então a primeira ação que a gente está desenvolvendo é a questão da fossa sustentável, usando pneu de caminhão. E estamos começando a desenvolver o projeto urbanístico da área”, conta a arquiteta e urbanista Jéssica Cardoso, que atua na Fercal, a mais nova região administrativa do Distrito Federal.

 

 

Os escritórios realizam ainda mutirões comunitários de revitalização urbana e, sob a condução da Codhab-DF, contribuem para a organização de concursos públicos de Arquitetura e Urbanismo para equipamentos urbanos. “Já foram 50 mutirões de renovação urbana e 12 concursos públicos de Arquitetura para projetos de unidades habitacionais coletivas, edifícios de uso misto, Unidade Básica de Saúde, Centro de Ensino Infantil, Centro de Ensino Fundamental e habitações de interesse social”, relata Gilson Paranhos, presidente da Codhab-DF.

 

 

“Nós começamos fazendo projeto de escolas e a primeira coisa que a gente fez foram os concursos de escolas e postos de saúde. Aí o governador falou: ‘Escuta, mas você não faz habitação?’. Eu disse assim: Exatamente. Habitação é escola, posto de saúde, creche, é isso que estou fazendo”, conta Gilson Paranhos, presidente da Codhab-DF.

 

 

Para o arquiteto e urbanista Luiz Sarmento, assessor da Presidência da Codhab-DF, sair dos ateliês de projeto e ir para as ruas da cidade interagir cotidianamente com os moradores é o que faz diferença nas iniciativas. “As ações estão funcionando para a gente repensar a nossa metodologia de ação. A gente não tinha essa prática corrente de ter técnicos dentro dessas comunidades, sempre muito esquecidas. Agora temos técnico, tem envolvimento da comunidade, com participação, com democracia na participação e na consolidação desses bairros”.

Papel do arquiteto e urbanista
De acordo com a pesquisa CAU/BR-Datafolha, 45% dos brasileiros que nunca contrataram um arquiteto e urbanista não fizeram isso por causa da falta de condições financeiras. Para Gilson Paranhos, a questão é que a urgência de morar é grande e os problemas acabam ficando para uma solução posterior. “Hoje, em vez de fazer projeto, fazemos ‘pós-jeto’. Precisamos inverter o processo e temos consciência disso”.

Gilson aponta como um dos principais problemas enfrentados pelas iniciativas de Arquitetura Social é a submissão do arquiteto e urbanista à aprovação de projetos pelas prefeituras e governos. “Um médico não precisa da aprovação de outro para fazer seu trabalho. Ele tem seu CRM e é responsável pelo seu trabalho. Um engenheiro não precisa passar os projetos estruturais e seu memorial de cálculo para ser aprovado em um órgão do governo por outros engenheiros analistas. Por que os projetos de arquitetura e urbanismo precisam de um aval de outro arquiteto urbanista para poderem ser construídos? Demorei um ano de meio para aprovar o projeto de uma residência dentro do Governo do Distrito Federal. Enquanto isso, milhares de casas foram construídas irregularmente”, critica.

Normas em excesso
Para o presidente da Codhab-DF, os arquitetos e urbanistas também precisam se conscientizar mais da realidade social dos territórios onde atuam. “Estamos preocupados com o ‘sexo dos anjos’, a redação exagerada de normas. Hoje, todos os hospitais da Rede Sarah não seriam aprovados se os arquitetos e urbanistas não tivessem ignorado as normas vigentes. No Brasil, segundo o CAU, 93% das obras não têm arquiteto e urbanista responsável – é com elas que precisamos nos preocupar”, afirma. “Lá na periferia o Código Penal não é respeitado, imagina se o Código de Edificações é. Temos que ter isso em mente”, argumenta.

“Eu acho que em Brasília a gente tem a Casa Grande, mas tem a Senzala. A cada 4 anos, Brasília produz um novo ‘Plano Piloto’”, destaca o profissional. “A questão da densidade em Brasília é uma coisa seríssima, e o que faz o pobre estar distante são as normas que nós fizemos. O Plano Piloto tem uma densidade de 30,5 habitantes por hectare. Quem fez essa norma não considerou quanto custa o metro de esgoto, saneamento, quanto custa 1 metro de infraestrutura. Se não, jamais deixaria uma densidade dessas”, critica Gilson Paranhos.

“Edgar Graeff escreveu que “estes planos urbanos, desde os planos Agache até hoje, quase todos eles se transformam em papeis sofisticadíssimos, mapas, gráficos, cálculos, tudo muito científico, mas de uma utilidade mínima do ponto de vista das populações”. Precisamos utilizar menos A4 (burocracia e teorização inútil) e mais A0 (projeto) e lutar para que nossas ideias saiam do papel e reconstruam a realidade”, defende o arquiteto e urbanista.

Reconhecimento
O trabalho dos arquitetos e urbanistas da Codhab-DF vem recebendo reconhecimento dentro e fora do País. Em 2017, as iniciativas foram apresentadas nos 26º Congresso Mundial da União Internacional dos Arquitetos, em Seul, na Coreia do Sul; na XX Bienal de Arquitetura do Chile, na cidade de Valparaíso; e no Congresso Internacional Projetar a Cidade com a Comunidade, em Lisboa, Portugal. No Fantástico, da TV Globo, as ações mereceram destaque em reportagem sobre assistência técnica.

A iniciativa foi também premiada, na última quinta-feira (22/03), com o Selo de Mérito da Associação Brasileira de Cohabs e Agentes Públicos de Habitação (ABC), na categoria ‘Ações, Planos e Programas voltados para a produção de Habitação de Interesse Social’, concedido durante o 65º Fórum Nacional de Secretários de Habitação e Desenvolvimento Urbano (FNSHDU). “Deu tão certo que está sendo, felizmente, copiado por outras instituições em todo o País. Lançamos, inclusive, um manual explicações para colocar o projeto em prática”, conta Gilson (acesse aqui a publicação). No Brasil, o projeto já foi apresentado em palestras no Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Recife (PE), Manaus (AM), Belém (PA), Campo Grande (MS), João Pessoa (PB), Florianópolis (SC), Palmas (TO), Maringá (PR) e Porto Velho (RO).

O reconhecimento também é internacional: um convênio firmado com o Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP) permite que profissionais da área de Arquitetura e Urbanismo oriundos de países de língua portuguesa trabalhem voluntariamente nas ações da Codhab para fazer o intercâmbio de informações. “Atualmente dois voluntários de Angola fazem parte deste trabalho, que visa provocar o papel do profissional de arquitetura dentro de áreas que estão em processo de regularização fundiária”, afirma Sandra Marinho, gerente de Projetos e Obras da Codhab-DF. “Em 2016, recebemos também especialistas em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, que visitaram nossos postos interessados na assistência técnica para habitação social”, conta Gilson Paranhos.

Série especial
Esta reportagem é a segunda de uma série especial do CAU/BR e dos CAU/UF que está mostrando o trabalho de arquitetos e urbanistas que, superando orçamentos reduzidos e unificando diferentes opiniões, conseguiram desenvolver moradias dignas e de qualidade para as famílias mais necessitadas. A primeira matéria abordou a construção de “casas cubo” para são abrigar famílias excluídas do projeto de reurbanização de uma área em Diadema, São Paulo (leia aqui).

Você atua em projetos de habitação social? Envie um e-mail para habitacaosocial@caubr.gov.br falando sobre o seu trabalho na área. Não se esqueça de inserir os autores dos projetos, contatos das pessoas envolvidas (arquitetos, autoridades e beneficiários), com um breve descritivo do projeto e até três fotos/ilustrações. Se sua história for selecionada, o CAU/BR e os CAU/UF entrarão em contato para produzir reportagens especiais sobre os projetos.

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Fonte: Emerson Fonseca Fraga, Jornalista do CAU/BR

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