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Goiânia, um olhar contemporâneo

Os fatos que constituem uma história urbana podem permanecer por muito tempo ou se revigorarem. A cidade cresce em torno deles com ênfase aos fatos mais expressivos que conseguiram determinar ou influenciar a sua forma. A cidade de Goiânia pode ser tratada aqui como um dos paradigmas do urbanismo moderno brasileiro.

Parte dos propósitos da criação de Goiânia foram cumpridos, muitos outros deturpados ou desconfigurados no processo de sua implantação. A forma urbana recebeu mutações, substituições, recortes, colagens, sobreposições ou agregações que poderiam se justificar em função das transformações de ordem conjuntural política e social. Nem por isso, os planos e as gestões administrativas deixam de constituir-se como elementos dessa transformação, pois agregam e refletem as forças que têm atuado na história de Goiânia.

Se por um lado, muitos dos motivos iniciais e principais do plano original se perderam ou se desconfiguraram levando perdas consideráveis de ambiência e qualidade urbana, outros elementos permanecem e precisam ser revigorados para que a cidade possa ser requalificada. Isso, no entanto, só pode ter significado no planejamento urbano quando o espaço for percebido e apropriado de fato pela população.

A identificação do ser humano com seu ambiente é essencial para controlar os atuais níveis de degradação ambiental. Calvino, em sua obra Cidades Invisíveis, já nos falava da cidade imaginária ou subjetiva, aquela que é formada com os desejos e anseios individuais, portanto variáveis. O papel da arquitetura e do urbanismo nesse contexto é o de recriar o espaço, oferecendo condições de ambiência e dando-lhe um significado desse lugar com capacidade de despertar os sentidos de prazer e de valorização da existência humana.

No caso de Goiânia, os aspectos favoráveis de ambiência inicialmente indicados nem sempre têm sido reconhecidos nos trabalhos de interferência e gestão urbana. Um exemplo é a alteração drástica da escala volumétrica dos edifícios para mais de quatro pavimentos que trouxe prejuízos incomensuráveis no centro histórico, não só ao sentido de composição, mas também ao desempenho ambiental. Pior que a quebra de escala na questão da composição, tem sido a sua heterogeneidade e isso infelizmente tem sido incontrolável na maioria dos bairros ou zona urbanas de Goiânia. A cidade segue desordenada, sendo direcionada para os céus e ao mesmo tempo se espraiando para os horizontes.

Sem querer desconsiderar a demanda do transporte coletivo, o desenho de eixos viários, como exemplo os eixos viários Norte Sul e Leste-Oeste (Anhanguera), também se coloca como interferência prejudicial no traçado urbano original, pois aparecem como barreiras às travessias e fluxos de pedestres, além de elevarem as emissões de ruídos sonoros e de gases poluentes nas vias públicas. Somam-se a isso os prejuízos de interferência provocados pelos elementos de infraestrutura (em particular as redes de fiação aérea), a falta de adequação e ordenamento do mobiliário e equipamentos urbanos, a falta de cuidados ou critérios na escolha de espécies arbóreas e a poluição visual nas vias e fachadas dos edifícios .

Pode-se afirmar que os elementos aqui apresentados indicam que a cidade de Goiânia, em que pese esteja hoje bastante descaracterizada da sua proposta original, pode prosperar um retorno ao caminho da sustentabilidade e do equilíbrio ambiental desde que os seus problemas, ao invés de virem ser tratados de forma independente, sejam tratados com a necessária abrangência , integração e responsabilidade compartilhada.

 *John Mivaldo da Silveira é Arquiteto e Urbanista, Professor efetivo da PUC-GO e Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás – CAU/GO

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