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Dia Mundial do Urbanismo: o Brasil na Habitat III

Por ocasião de mais uma comemoração do Dia Mundial do Urbanismo (8 de novembro), o CAU/BR publica a integra do Relatório do GT Habitat do Conselho das Cidades, com as contribuições para o posicionamento do Brasil na Conferência UN Habitat III, que se realizará em outubro de 2016 em Quito, no Equador.

O documento, relatado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), é dividido em seis capítulos, que tratam de questões demográficas, planejamento urbano, meio ambiente e urbanização, governança, economia urbana, habitação e serviiços urbanos, concluídos com reflexões para a criação de uma Nova Agenda Urbana.

O CAU/BR faz parte do Conselho das Cidades, representado por seu presidente, Haroldo Pinheiro.

Eis o documento:

Relatório aprovado no dia 21 de agosto de 2015 pelo Grupo de Trabalho Habitat instituído pela Resolução Administrativa nº 29 de 2014 do Conselho das Cidades.

Composição do GT Habitat: Ministério das Cidades; Casa Civil da Presidência da República; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República; Ministério da Fazenda; Ministério do Meio Ambiente; Ministério da Integração Nacional; Ministério da Saúde; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Ciência e da Tecnologia; Ministério do Trabalho e do Emprego; Caixa Econômica Federal; representante do poder público estadual; representante do poder público municipal; representante de entidades dos trabalhadores; representante de entidades empresariais; representante de entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisas; representante das organizações não governamentais e representantes dos movimentos sociais.

Relator: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)

Introdução

A realização de uma Conferência Mundial para discutir desenvolvimento urbano constitui oportunidade para firmar compromissos de futuro, com a vida, bem-estar, combatendo desigualdades sociais e segregações, transformando cidades em espaços acessíveis a todos, democráticos, lugares para efetivação de direitos e exercício de oportunidades.

O Brasil está se preparando para Conferência de maneira participativa e inclusiva, pois entende que a questão urbana exige engajamento e parceria entre os três níveis de governo e sociedade. Esse comprometimento político é fundamental para a construção de soluções e estratégias que guiem o Brasil na superação de suas mazelas, com o objetivo de construir uma sociedade justa, mais igualitária, econômica e ambientalmente sustentável.

As cidades exercem papel significativo no desenvolvimento do país em função da localização da produção e do consumo e, em função dos serviços oferecidos e seu papel de organização e controle sobre as demais atividades.

A Constituição Federal de 1988 elevou os Municípios a condição de ente federado, com autonomia para organizar e gerir uma serie de serviços públicos que passaram a sua competencia, transformando a agenda de responsabilidades dos municípios. Atualmente, a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os 26 Estados, o Distrito Federal e os 5.568 Municípios, todos autônomos entre si.

As cidades, local de moradia de 160,9 milhões de brasileiros (Tabela 04), são os territórios por excelência para se pensar o desenvolvimento nacional, possibilitando o acesso à urbanidade básica necessária à reprodução da vida cotidiana com qualidade: infraestrutura de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, sistema viário completo com calçadas, sinalização, além de acesso a moradia adequada e todos os demais serviços básicos.

A demanda habitacional brasileira, formada em parte por domicílios inadequados e mais o crescimento demográfico, é segundo estudo da Caixa (2011), de aproximadamente 7,71 milhões de unidades, e está concentrada na faixa de três a dez salários mínimos2 (54% do total), sendo em grande parte atendida hoje, ao contrário do período passado, pelo mercado imobiliário formal e programas habitacionais do governo federal. Por sua vez, o déficit habitacional de cerca de 5,430 milhões de moradias (FJP, 2014) concentra-se nas faixas de renda situadas abaixo de três salários mínimos (73,6%) (FURTADO; LIMA NETO; KRAUSE, 2013)

Por outro lado, segundo o universo de municípios que respondem ao Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS (2013), 92,98% dos municípios tem atendimento urbano de água, 56,3% tem coleta de esgoto, dos quais 69,42% contam com tratamento dos efluentes. As políticas públicas voltam-se, nesse contexto, para enfrentar o desafio de levar esses serviços à parcela mais vulnerável da população, buscando a universalização do acesso ao saneamento e à água potável até o prazo de 2030, conforme estipulado no Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) aprovado em 2013 (Decreto Federal nº 8141/13).

A desigualdade nas cidades se manifesta também nas condições de mobilidade da população, sobretudo, em função da renda, com particular atenção às dificuldades de acessibilidade das pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida. Se os níveis de trânsito se aproximam de patamares críticos para todos, elas são piores para aqueles que devem cumprir longas distâncias, com custo relativo elevado e baixa qualidade e segurança. Há ainda aqueles que não se movem, por faltar transporte, oportunidade, acessibilidade ou recursos financeiros. Visando transformar essa realidade, investimentos federais no transporte público coletivo e garantias legais de gratuidades e subsídios nas tarifas de transporte tornaram-se usuais nos últimos anos.

Aos déficits setoriais e às diferenças de acesso a serviços e equipamentos básicos somam-se outras dimensões da vida: lazer, segurança, saúde, educação, cultura etc., que de maneira geral evidenciam os grandes desafios para a efetiva inclusão socioespacial e para a redução das desigualdades, e da fragmentação urbana.

Para transformar essa realidade são necessários investimentos financeiros, uma sociedade civil organizada e mobilizada em prol de cidades mais justas e inclusivas, de compromissos políticos de governos nacional, estaduais e municipais, de uma maior democratização e acesso ao Judiciário, de maior capacidade e qualidade dos gestores públicos e dos organismos governamentais.

No último período, desde Habitat II, tornou-se claro e obrigatório que a gestão pública deve acontecer sob a égide do planejamento e da participaticipação, social com mecanismos integrados, que busquem a produção de cidades para todos.

Entre as cidades brasileiras, deve-se dar destaque às metrópoles ou grandes cidades, que concentram parte expressiva da população urbana (50% da população brasileira vive nos 25 maiores aglomerados urbanos) e da produção da riqueza (63% do PIB brasileiro é produzido nas metrópoles). As principais metrópoles desempenham papel significativo na rede de cidades desde a década de 1960, quando se pensou a integração do território a partir desses espaços. Desde então, as metrópoles passaram a concentrar não apenas a população, mas investimentos de maneira geral, tornando-se espaços de riqueza e pobreza, nos quais a segregação socioespacial, característica da urbanização brasileira, se revela de maneira mais intensa.

Enquanto lugar da ação política, as cidades e o desenvolvimento urbano ainda são vistos como um sistema setorizado de bens, equipamentos e serviços. A integração territorial de políticas, indispensável para que as cidades atendam efetivamente e por completo seus beneficiários e suas necessidades, constitui um desafio também para a agenda mundial das cidades.

Nos últimos 20 anos o Brasil construiu um quadro legal e normativo robusto para implementar uma efetiva reforma urbana. Avançou-se, por exemplo, na regularização fundiária e urbanística dos assentamentos informais de baixa renda (favelas, cortiços, loteamentos irregulares e clandestinos, etc) e na implementação de instrumentos importantes como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que destina áreas à moradia de população de baixa renda e as sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo.

Observa-se que uma série de questões urbanas se colocam, entretanto, de maneira estrutural, como impedimentos ou empecilhos ao desenvolvimento nacional. O modelo de urbanização baseado na exclusão social e na segregação socioespacial, que cria espaços urbanos fragmentados e mesmo partidos, é a mais candente.

Nesse contexto, assume grande importância o debate sobre o direito à cidade, tema cuja discussão vem ganhando espaço nos foros e eventos internacionais – nos quais, não raro, são apresentados documentos que buscam definir os contornos desse direito. Exemplo disso é a Carta do Rio de Janeiro, apresentada pelos movimentos sociais durante o V Fórum Urbano Mundial (Rio de Janeiro, de 22 a 26 de março de 2010), e teve como tema principal “O Direito à Cidade: Unindo o Urbano Dividido”.

Na Carta, afirma-se, entre outros, que “[o] Direito à Cidade deve se constituir como um direito coletivo das presentes e futuras gerações a uma cidade sustentável, sem discriminação de gênero, idade, raça, condições de saúde, renda, nacionalidade, etnia, condição migratória, orientação política, religiosa ou sexual, assim como de preservarem sua memória e identidade cultural” e que “as cidades devem ser compreendidas como um espaço e lugar privilegiado do exercício da cidadania e da democracia como forma de assegurar a distribuição e o desfrute equitativo, justo e sustentável dos recursos, riquezas, serviços, bens e oportunidades aos seus cidadãos, compreendidos como todas as pessoas que habitam de forma permanente ou transitória nas cidades”.

Dessa forma, o direito à cidade vem sendo debatido sob a perspectiva do direito de uso por todos, sem privilégios ou distinções de qualquer espécie, do espaço público e coletivo da cidade, bem como o dever das instâncias públicas em assegurar que a produção da cidade busque a realização de suas funções sociais.

As discussões em torno do direito à cidade buscam, portanto, traduzir o anseio dos moradores de uma cidade de viver por completo o espaço urbano, indistintamente, independente de renda, raça, gênero, idade, credo ou religião – de participar da produção da cidade em suas múltiplas dimensões e dela poder amplamente usufruir.

Essas discussões enfatizam, da mesma forma, a importância de que as políticas urbanas sejam definidas e implementadas de forma participativa, a partir dos moradores e em seu coletivo benefício, efetivando a função social da cidade, de modo que se rompa o mecanismo e o modelo de urbanização historicamente excludente e espacialmente segregador, que muitas vezes privilegia interesses econômicos ou sociais de grupos não representativos em detrimento daqueles da maioria das pessoas que vive nas cidades.

O direito à cidade revela, portanto, a relação das pessoas com a cidade numa perspectiva de integralidade, considerando que a cidade em si, a forma, as infraestruturas, a arquitetura, não é o sujeito de direito. Considera-se que a cidade e suas características simbólicas, valores, patrimônios e bens materiais e imateriais, memória e identidade coletiva, que em muitos casos já contam com proteção jurídica própria por suas características imanentes, são todos indissociáveis, formando um ambiente produzido, formas e conteúdos, a ser compartilhado segundo direitos iguais de acesso, uso e gestão para todos, o direito à cidade.

Resta à sociedade brasileira a consolidação da esfera pública e coletiva, o reforço da consciência cidadã que passa, evidentemente, pelo reconhecimento de um conjunto de direitos a serem positivados na práxis urbana, nas relações diárias, cotidianas, e não apenas reconhecidos na legislação. Trata-se de possibilitar ao conjunto da sociedade compartilhar com igualdade o espaço público, o espaço produzido, os equipamentos e infraestruturas, reconhecer a função social da propriedade e compartilhar os serviços e bens hoje distribuídos de maneira desigual e seletiva pelo espaço urbano.

No Brasil, o Estatuto da Cidade assegurou o direito a cidades sustentáveis, definido em seu artigo 2º(I), como o “direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, a infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Coloca-se como fundamento deste marco jurídico a função social da propriedade e da cidade, princípio balizar para efetivar-se o direito à cidade por meio de todos os instrumentos jurídicos, urbanísticos e tributários constantes na Lei e na legislação posterior. Vale ressaltar que direito à cidade recebeu um tratamento jurídico de direito difuso na lei de ação civil pública (lei no 7.347, de 24 de julho de 1985) ao estabelecer que os habitantes são atingidos por danos à ordem urbanística.

Com base neste marco jurídico e no reconhecimento deste direito e da função social, além da necessidade de se instituírem processos participativos para tanto, parcela significativa da sociedade brasileira vem mais e mais se posicionando em prol dessa transformação, em prol da definição de novas bases, primeiramente coletivas e sociais, para a produção urbana. As mudanças do quadro normativo e das políticas urbanas no último período representa uma profunda transformação da sociedade em busca de assegurar direitos, reduzir as desigualdades e levar cidadania a todos brasileiros, enfim, de construir o edifício chamado direito à cidade.

Pensar no direito à cidade é pensar em formas para que o uso da cidade se dê de maneira pública e coletiva. Trata-se de pensar a cidade planejada, produzida e reproduzida a partir de todos e para todos, como espaço essencial para a edificação da cidadania e para o convívio das diferenças e da sociabilidade; para a realização, pois, da paz e da harmonia entre pessoas e povos.

Capítulos:
I. Questões demográficas urbanas e desafios para uma Nova Agenda Urbana
II. Planejamento Urbano e Territorial: questões e desafios para uma Nova Agenda Urbana
III. Meio ambiente e urbanização: questões e desafios para uma Nova Agenda Urbana
IV. Governança urbana e legislação: questões e desafios para uma Nova Agenda Urbana
V. Economia urbana: questões e desafios para uma Nova Agenda Urbana
VI. Habitação, saneamento e serviços básicos: questões e desafios para uma Nova Agenda Urbana
Desafios para uma Nova Agenda Urbana

 Fonte CAU/BR

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