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Colegiado deve propor ADIn contra MP 759

A confusão que marcou a sessão da Câmara dos Deputados no dia 24 de maio, como reflexo às manifestações na Esplanada de Brasília, não impediu que os parlamentares aprovassem, sem debates, a polêmica Medida Provisória que cria novas regras para regularização fundiária urbana, bem como de terras da União ocupadas na Amazônia Legal. A base de apoio ao governo aproveitou-se de um protesto realizado pela oposição, retirando-se do plenário, para aprovar a MP 759/2016 e cinco outras mais. O documento deverá agora ser votado e muito provavelmente aprovado no Senado até o dia 1 de junho, prazo final para não “cadurar”, o que impediria sua sanção como lei pela Presidência da República.

Exigências urbanísticas são relegadas em favor de aspectos de mercado. Permite-se regularização imediata de áreas sem prévia urbanização, legalização de condomínios construídos sobre terras griladas, fechamento de condomínios e ruas e até a dispensa do Habite-se em certos casos.

Diante desse cenário, o CEAU (Colegiado com Participação das Entidades Nacionais dos Arquitetos e Urbanistas do CAU/BR) deverá apresentar, através de uma de suas instituições, uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra o documento, considerado um enorme retrocesso na legislação urbana do país por desmontar um arcabouço urbanístico e jurídico fruto de amplo processo de discussão e consolidação nos últimos 20 anos , invadir competências municipais e conter diversos itens inconstitucionais.

A informação foi dada pelo secretário-executivo do CEAU, o arquiteto e urbanista Cícero Alvarez, na abertura da 66a. Plenária Ordinária do CAU/BR em realização em Brasília em 25 de maio. “Daremos, assim, prosseguimento a uma estratégia formulada no IV Seminário Legislativo de Arquitetura e Urbanismo do CAU/BR, que referendou manifestação do CEAU sobre a MP 759/2016”.

A manifestação afirma que a Medida, editada em silêncio às vésperas do Natal de 2016, “desconsidera a evolução histórica da legislação federal de regulamentação da Política Urbana, especialmente o Estatuto da Cidade, bem como todo o histórico da regularização fundiária no país, que foi consubstanciado no capítulo III da Lei 11.977/09, de vida curtíssima”. Clique no link para acessar a manifestação do CAU/BR e demais entidades do CEAU: IAB, FNA, AsBEA, ABEA, ABAP e FeNEA.

O texto aprovado pela Câmara é o Projeto de Lei de Conversão 12/2017, substitutivo da MP 759/2016 elaborado pelo relator da matéria na Comissão Mista, senador Romero Jucá (PMDB-RR). Entre as reformas propostas pelo governo Temer, a da regularização fundiária é a que menos recebeu destaque na imprensa nacional, mesmo com seguidas manifestações contrárias de entidades de diferentes setores e movimentos sociais. A MP estava a ponto de ser votada pelo plenário da Câmara do dia 17, momento em que veio a público a notícia sobre a delação premiada dos donos do grupo J&F, o que causou o encerramento abrupto da sessão, mas no dia 24, mesmo com toda confusão que marcou a história política de Brasília, o texto foi aprovado.

“A regularização fundiária não é disciplina de direito imobiliário, mas de direito urbanístico. Seu objetivo não é produzir propriedade, mas gerar cidades”, afirma Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR, a propósito da justificativa dada à MP 759/2016. Segundo o governo, a regularização fundiária urbana contribuirá para “o aumento do patrimônio imobiliário do País”, por representar a inserção de capital na economia, à medida que agrega valor aos imóveis regularizados, permite ao Poder Público cobrar impostos (IPTU, ITR E ITBI) e facilita aos proprietários a obtenção de créditos, dando seus imóveis como garantia. Ou seja, a inclusão apressada das áreas regularizadas no “mercado imobiliário” mostra que o fator tributário, não o social, foi determinante para deixar a urbanização em segundo plano. “Precisamos gerar cidades dignas, não propriedades precárias para arrecadar impostos”, diz o presidente do CAU/BR.

Conheça, em detalhes, as principais críticas feitas à MP, sob o ponto de vista urbanístico:

Bairros de papel
“Uma das maiores preocupações do CAU/BR é a permissão para que os assentamos urbanos sejam regularizados sem intervenções urbanísticas e infraestrutura, criando “bairros papel”, pois bastaria a entrega do título de posse para inserir a gleba ocupada no sistema formal da cidade, em oposição ao Estatuto da Cidade”, afirmou o presidente do CAU/BR, Haroldo Pinheiro, em audiência pública promovida pela Comissão Mista do Congresso que analisou a matéria.

Após tais críticas, no processo de transformação da MP 759/2016 no Projeto de Lei de Conversão 12/2017, a única coisa que se avançou a respeito foi a exigência de um cronograma de obras para implantação da infraestrutura após a concessão do certificado de regularização fundiária. “Ocorre que o projeto é omisso em relação ao que fazer em caso de descumprimento do cronograma, não responsabiliza o prefeito e não condiciona o empreendimento à programação financeira do Município no mandato do executivo ordenador das obras, desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirma a advogada Rosane Tierno, especialista em direito urbanístico e com ampla experiência de campo em regularização fundiária.

Grileiros
 Na visão do CAU/BR, a MP 759/2016 subtrai os aspectos sociais da matéria, ao impor novas exigências para a legitimação fundiária em áreas ocupadas informalmente por população de baixa renda (Reurb-S) e ao flexibilizar a regularização de loteamentos e condomínios fechados de alto padrão (Reurb-E), inclusive em áreas de preservação ambiental.

Para a população de baixa renda exige-se que não seja proprietário de outra área, por exemplo, e para a de alta renda não. Condomínios de população de alta e média renda originários de terrenos grilados serão legitimados mais facilmente que os assentamentos populares.

No caso da Reurb-S caberá ao Município promotor ou ao DF a tarefa de implantar a infraestrutura essencial, livrando a responsabilidade de muitos grileiros, sem que exista garantia de que os Municípios poderão arcar efetivamente com tais gastos.

No caso da Reurb-E, a infraestrutura necessária fica por conta do beneficiário, mas há uma exceção. Naquelas Reurb-E sobre áreas públicas, o Município poderá proceder ao custeio do projeto de regularização fundiária e da implantação da infraestrutura essencial, com posterior cobrança dos beneficiários, algo que igualmente não se pode garantir que ocorrerá.

Precarização da moradia
O Projeto de Lei de Conversão 12/2017 dispensa a exigência do Habite-se nos casos de regularização de conjuntos habitacionais localizados em áreas Reurb-S, favelas, cortiços (denominados no texto com o eufemismo de “condomínios urbanos simples”) e construções sobre lajes.

“Nada disso constava da MP 759/2016. Além de invadir competência dos Municípios, únicos que podem legislar sobre a exigência do Habite-se, a MP consolida a precarização da moradia no país”, lembra a advogada Rosane Tierno.

Segundo Haroldo Pinheiro, “é importante, sem dúvida, regularizar essas tipologias habitacionais, mas desde que respeitadas as condições para garantir a segurança dos imóveis contra incêndios ou desabamentos, salubridade e a dignidade de seus moradores”.

Falta de assistência técnica
 Outro aspecto importante é a falta de obrigatoriedade de assistência técnica nos casos em que se aplicaria o instrumento do “direito de laje”, que permite, por exemplo, o registro como unidade imobiliária autônoma de moradia construída na laje de imóvel de terceiro, alterando o Código Civil. “A medida pode inclusive incentivar e ampliar o número de moradias inseguras e insalubres”, diz Roseane Tierno.

A MP não atenta para a falta de exigência de um responsável técnico, o licenciamento e o habite-se, jogando para os Municípios e para o Distrito Federal a decisão sobre legislar ou não sobre tais aspectos. Ou seja, para a regularização bastariam a averbação da construção e a matrícula autônoma das lajes, mesmo sem respeito a qualquer preceito urbanístico.

Outro aspecto que exige solução técnica, não apenas jurídica, é a questão da garantia de acesso às áreas comuns como passagens internas ou escadas externas.

Incentivo à exclusão
 “No substitutivo da MP 759/2016, elaborado pelo relator da Comissão Mista, foram incluídos também itens novos que nada tem a ver com regularização fundiária, isto é, a regularização do que já está feito. Trata-se da permissão para que lei municipal criem “loteamentos de acesso controlado” e “condomínios de lotes” ainda a serem empreendidos”, chama a atenção a advogada Rosane Tierno.

Com tais dispositivos, na visão de Haroldo Pinheiro, ao invés de integrar as áreas hoje informais à cidade formal, a MP amplia os “muros” que as separam”.

Contradição
 “Os processos desencadeados pela MP 759 não contribuem para a efetiva implementação da Nova Agenda Urbana de forma a tornar as cidades e os assentamentos humanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. A Nova Agenda foi recém definida pelas Nações Unidas na conferência Habitat III e do qual o Brasil foi um dos signatários”.

Por que a pressa?
 “A MP 759/2016 trata de assuntos de vital importância e o aprimoramento de legislações é natural, mas o correto seria o governo propor um projeto de lei a respeito, para possibilitar em um tempo adequado uma maior participação da sociedade nos debates. Inclusive do Conselho das Cidades, onde estão representados todos os movimentos sociais, as entidades empresariais, a academia e as instituições de classe, mas que não se reúne há um ano por falta de convocação pelo Ministério das Cidades. Assusta muito o fato da MP estar em vigor, pois tem valor de lei, e não se sabe os desdobramentos que isso está gerando pelas consequências dos atos que estão sendo gerados sob seu manto”, diz Haroldo Pinheiro.

Aspectos inconstitucionais
Para juristas do IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico) a regularização fundiária não justifica, constitucionalmente, sua edição como MP, que deve ser exclusiva para matérias de comprovada urgência. Outros itens inconstitucionais é a isenção do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Mobiliários), invadindo competência municipal, com potencial reflexo no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal pelas Prefeituras. Da mesma forma, a liberação do Habite-se, nos casos já mencionados acima, avançam sobre assuntos de exclusiva jurisdição municipal. Além disso, segundo Rosane Tierno, a legitimação fundiária proposta pode ser encarada como uma “forma obliqua de usucapião”.

Mudança geral
Com o desmonte do arcabouço urbanístico e jurídico sobre a regularização fundiária urbana construído nas duas últimas décadas, com participação da sociedade, e já incorporado pelos Municípios, pelos cartórios e por provimentos da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Conselho Nacional de Justiça, haverá necessidade de uma custosa transição.

Custosa em tempo para adaptações de legislação urbanísticas como Planos Diretores e Leis de Uso e Ocupação do Solo de cidades de todo país, bem como das normas de serviços de tribunais e cartórios. E custosa também em termos de reciclagem dos corpos técnicos dos organismos públicos e privados envolvidos com o tema. Para Rosane Tierno, o resultado será uma paralisação dos procedimentos de regularização fundiária no país de cinco dez anos. Além do “congelamento”, desde a edição da MP 759/2016, de dezenas de projetos em andamento em todo país, dada a incerteza criada pela medida.

 

 

Fonte: CAU/BR

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