Artigo

A cidade é de quem? – artigo da conselheira federal Adriana Mikulaschek

“Nossa”, vamos responder com firmeza! Mas se a cidade é nossa, sabemos como ela está sendo construída, administrada, expandida e ocupada? Temos ciência das leis que a regem, de quem cria essas leis e de como elas são aplicadas? Sabemos em que direção vai crescer, se vai crescer e ainda, se corro o risco de ver nascer um arranha-céus no lote ao lado, que hoje abriga a pequena residência de meus vizinhos?

Posso afirmar sem medo de errar que boa parte de vocês, queridos leitores, não sabem. Poucos sabem, na verdade. Como então algo pode nos pertencer, se não temos domínio e consciência daquilo que está acontecendo com esse algo nosso?

Acrescenta-se a esse desconhecimento uma cultura que nos diz que tudo o que é público é ruim. A escola pública é ruim. A praça, perigosa. A calçada, espaço para ambulantes. As ruas pertencem aos carros. Que espaço ocupamos nas cidades, além daqueles protegidos por nossos muros? No decorrer dos anos, estamos perdendo a relação que temos com aquilo que nos pertence. Perdemos os laços afetivos que nos ligam à nossa casa. Sim. A cidade é a nossa casa, embora não saibamos como é gerida e não usufruamos dela a contento.

Faz-se imperativo uma mudança. Uma reapropriação dessa cidade.

É necessário começar pela educação, mãe de todas as mudanças. O urbanismo precisa ser aprendido desde cedo. Esse cidadãozinho precisa entender que tem direito não apenas de trafegar pelas ruas todas e usufruir de espaços públicos, mas também, e principalmente, entender que tem voz ativa no futuro desse espaço. Ser informado das leis que regem o meio urbano e de todos os momentos em que ele pode falar sim ou não para as propostas apresentadas. Entender como palavras como “adensamento”, “verticalização” e “espraiamento” afetam sua vida e também a vida dos demais e opinar sobre isso – sendo esse também um ponto fundamental presente na educação urbanística: a vida dos demais. Do outro.

Num momento em que percebemos que a forma de vida do outro, os meios que ele utiliza para se locomover até o trabalho e até nossas casas, se ele tem água encanada para lavar as mãos ou rede de esgoto significa vida ou morte, dele e nossa, esse “outro” precisa ser enxergado com uma lente mais ampla. E tudo isso é fruto do quê? Planejamento urbano. É esse planejamento que aprovou a construção de bairros nas franjas do tecido urbano, muitas vezes sem a presença justamente de escolas, nem creches. Existe lá o espaço destinado a esse uso, mas as infraestruturas nunca foram implantadas.

Esse cidadãozinho em formação é aquele que vai usufruir dessa cidade que hoje construímos. E é esse modelo que ele vai continuar reproduzindo, se não souber que tem o poder para mudá-la. Informemo-nos. Informemos nossos filhos daquilo que será dele daqui a pouco. E nada mais lógico que esse papel passe por nós, pais, mas muito e mais acuradamente pela escola.

É de menino que se torce o pepino, como diziam nossas mães ou avós.

Vamos dar condições para essas crianças torcerem esse pepino para o lado que eles entendam ser o melhor pra eles. Cientes daquilo que fazem e das consequências de suas escolhas. Isso é democracia.

*Adriana Mikulaschek é conselheira federal suplente do CAU/BR

Publicado originalmente no jornal O Popular, no dia 08/04/2021.

OUTRAS NOTÍCIAS

Conselho recebe aprovados em Concurso Público e homenageia primeiros efetivos

O Serra e o Centro – artigo da presidente, Simone Buiate, e do conselheiro David Finotti

Alerta às cidades para a crise climática – artigo da conselheira Regina de Faria