Artigo

Falso progresso

As sociedades em vias de desenvolvimento tendem a cair na ansiedade do falso progresso que as leva a copiar, imitar, importar soluções de outros contextos considerados mais evoluídos. Este comportamento, que podemos chamar de periférico, provinciano ou cultura do novo rico expressa uma subserviência a interesses alheios ao mesmo tempo que demonstra ignorância ou desinteresse pela própria cultura, assim como uma inteligência limitada que o impede de enxergar que na autenticidade dos valores locais reside o gérmen da identidade e da diferenciação.

A arquitetura é um dos meios mais eficazes utilizados para manifestar o falso progresso. Edifícios em altura (quanto mais altos, melhor) de fachadas infinitamente envidraçadas, assim como viadutos, shoppings, condomínios fechados, culto ao automóvel, renascenças clássicas são, dentre outros, os elementos utilizados e consagrados socialmente para manifestar que “nós também temos” ou “nós também podemos”. Tais atitudes, longe de marcar uma participação provinciana dentro de um suposto primeiro mundo, expõem um alarmente complexo de inferioridade explorado habilmente por grupos empresariais que possuem a receita certa para obter lucros efetivos através da venda de sonhos coletivos de status, evolução e progresso.

Na cidade define-se uma nova imagem urbana globalizada e pasteurizada, que pouco tem a ver com o rico legado cultural, enquanto arquitetos ficam reféns de um mercado que utiliza sonhos de progresso, exclusividade e segurança como argumentos de venda. Na realidade contemporânea midiática e globalizada, as aparências substituem as essências, a velocidade e o imediatismo substituem o pensamento reflexivo, e a receita de sucesso impede desenvolver alternativas criativas baseadas no patrimônio cultural da sociedade. A arquitetura perde seu rol definidor e transformador da cidade e passa a ser elemento de manipulação de setores comprometidos com o próprio interesse e lucro pessoal.

O problema é complexo, faz parte do dia a dia da profissão e exige debates e reflexão disciplinar para, pelo menos, esclarecer a contribuição da arquitetura como manifestação cultural da sociedade. O progresso autêntico, sério e inclusivo parte de um planejamento urbano e territorial com objetivos de médio e longo prazo, assume a raiz dos problemas urbanos – e não só as aparências de uma cidade supostamente evoluída -, promove a participação da sociedade organizada, procura resolver os problemas sociais e urbanísticos de forma integrada e estimula o desenvolvimento cultural através de soluções arquitetônicas qualificadas.

Em relação à arquitetura, o concurso público de projetos vislumbra-se como meio para promover o debate profissional e as melhores propostas de obras públicas para a cidade. Estratégias de qualificação urbana com efetiva participação da classe profissional esclarecida devem ser cobradas aos administradores públicos através da sociedade organizada.

Enquanto à atividade privada, o problema é de educação social e disciplinar. Os tempos serão de maior duração, envolvem o próprio ensino da profissão, mas nunca é tarde para iniciar um processo esclarecedor orientado a determinar qual é a arquitetura que queremos. A cidade socialmente integrada e a arquitetura como genuína manifestação cultural hoje estão longe dos objetivos comerciais do mercado imobiliário, mas é um sonho que merece ser sonhado e feito realidade no debate cotidiano e nas ações possíveis por quem acredita nos valores transcendentes da disciplina e da profissão.

Roberto Ghione – Arquiteto e diretor do IBA/PE

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