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Arquiteto goiano cria bloco feito de resíduos

Considerando-se o alto nível de exploração de recursos naturais e a urgência da melhoria da qualidade de vida no planeta, faz-se necessário o investimento em ações estratégicas sustentáveis, principalmente por parte de instituições que gerem resíduos tóxicos.

Flávio Araújo, coordenador de projetos da Saneago (Companhia de Saneamento de Goiás) e professor da PUC Goiás (Pontifícia Universidade Católica de Goiás), projetou uma saída para os resíduos gerados no tratamento de água da empresa: a utilização do material para confecção de tijolos. Para isso, contou com apoio do Superintendência de Estudos e Diretorias da empresa de saneamento.

A Saneago é responsável pelos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário em 225 municípios goianos. O volume estimado de resíduo produzido para o tratamento de água no Centro Oeste, de acordo com a pesquisa nacional de saneamento básico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2008), é de 1.800 toneladas por mês nas estações de tratamento.

O resíduo resultante do tratamento de água, já ressecado

Flávio explica que o resíduo é resultado da aglutinação de matérias orgânicas e sólidas, como areia e argila, e da água dos rios associada a um elemento químico, e que, quando retirado, forma uma espécie de lama. Anteriormente, o material era depositado de volta nos rios, gerando um desequilíbrio na biota aquática – conjunto de seres vivos que vivem no ecossistema da água – devido à carga química.

Outra solução ainda muito utilizada é a disposição do material em aterros sanitários, o que também é pouco sustentável considerando a quantidade de resíduo gerado. Diante desta realidade, a ideia de aproveitar um resíduo para fabricação de material de construção se apresenta como uma excelente opção.

Tijolo de solo-cimento

Flávio Araújo segura o tijolo de solo-cimento, feito com resíduo

O tijolo de solo-cimento é um material composto pela mistura entre argila, cimento e água, nas devidas proporções. Flávio propôs que a argila fosse, então, substituída pelo resíduo. O arquiteto conta que, na concepção da substituição de um elemento pelo resíduo, a primeira pergunta foi em qual material deveria ser aplicado. “Precisaríamos de um material cuja matéria-prima tivesse características similares ao resíduo. Testamos então no tijolo de solo-cimento, material interessante pela funcionalidade e sustentabilidade em relação ao tijolo comum, que é queimado, por exemplo”, diz.

Além de ser mais sustentável por não precisar de queima, o tijolo de solo-cimento também possui um sistema de encaixe, proporcionando um alinhamento aprimorado. Ademais, os dois grandes vãos permitem tranquilamente a passagem de tubulação. “O uso na obra é bem interessante, pois, à medida que subimos as paredes já passamos a tubulação, reduzindo assim cerca de 90% de quebra das mesmas e consequente diminuição dos resíduos da obra”, afirma Flávio. E ele complementa: “Este tijolo não é nenhuma novidade, existe no mercado há 50 anos. O que fizemos foi substituir a matéria-prima por resíduo”.

Pesquisa

Com apoio da Saneago e da Universidade Federal de Goiás (UFG), onde Flávio está hoje terminando um mestrado, o arquiteto desenvolveu também outros materiais de construção com utilização do resíduo, como tijolo maciço, piso e reboco. Os materiais ainda não são utilizados fora de projetos experimentais dentro da Saneago. Serão necessárias adaptações nas estações de tratamento, pois a produção do material demanda maquinário e mão de obra.

A pesquisa possui outro diferencial: é inédita no tijolo de solo-cimento. Segundo Flávio, existem outras pesquisas visando diminuir a degradação das áreas de tratamento de água, mas esta é a primeira a aplicar na produção de tijolos de solo-cimento. “Contribuímos com o ambiente duplamente, já que, além de deixar de retirar um recurso natural (argila, originalmente usada na fabricação do tijolo), estamos dando destinação a um subproduto que é passivo ambiental”, explica.

Um dos maiores desafios que separam o uso teórico e prático deste tijolo é o custo econômico da produção. Para enfrentar a questão, o arquiteto, orientado por seu professor de mestrado, professor Paulo Sérgio Scalize, apontou uma solução viável: a utilização de trabalho carcerário. O Ministério Público possui uma cartilha que incentiva e orienta a parceria com órgãos públicos e empresas privadas para utilização da mão de obra carcerária, prevendo remissão de pena e salários para os internos e barateamento de custo para a empresa que a utiliza.

Os materiais feitos com resíduos de tratamento de água na Saneago

Ciclo sustentável

Por fim, para fechar um ciclo sustentável, a equipe pensou em destinar os materiais de construção feitos a partir de resíduos para a construção de habitações populares. Apesar de ainda ser uma proposta conceitual, Flávio já entrou em contato com a Agência Goiana de Habitação (Agehab) e a Secretaria de Segurança Pública (SSP), que incorporaram a ideia. “Nós estamos, ao mesmo tempo, contribuindo para reduzir o passivo ambiental da empresa, com os indivíduos em cárcere que aprenderão nova profissão e ainda promovendo retorno social. Forma-se um ciclo socioambiental interessante”, conclui Flávio.

Flávio frisa ainda a importância do papel dos arquitetos e urbanistas em colaborar com este sistema, convocando a classe a ter um olhar mais atento quanto à sustentabilidade. “Nós, arquitetos, podemos encontrar meios de utilização dos materiais, e até mesmo indicando seu uso aos clientes, explicando todo ciclo sustentável gerado e ressaltando a relevância de não olhar apenas a questão financeira, mas os benefícios a médio e longo prazo”, afirma.

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